Status e arquitetura

Sobre nosso desejo de status e como a arquitetura pode ser remédio ou veneno para nosso ego

FILOSOFIA

Isadora

1/4/20245 min read

Não é segredo para ninguém que sou fã do filósofo franco-suíço Alain de Botton, esses dias finalmente li o livro "Desejo de Status" e tive vários insights sobre o impacto disso na arquitetura. Gosto muito dele porque em tudo que ele faz ele foca na felicidade do indivíduo, que afinal, é o que importa em última instância. E ele usa a filosofia como ferramenta para alcançar essa felicidade.

Ele já escreveu especificamente sobre o impacto da arte e arquitetura em "Arquitetura da Felicidade" (e dá para entender que ele realmente sublinha a importância da arte também no " Desejo de Status") mas aqui vou falar de alguns pontos que achei "novidade" e que sobretudo hoje - o livro foi escrito em 2004 - são muito ricos para refletir.

Nós humanos ligamos para o que pensam de nós;

Em tempos de mídias sociais isso se exacerbou demais, porque o tempo inteiro estamos nos colocando em uma posição de validação (por curtidas, reações, comentários, engajamento,...). A vida privada se torna também cada vez mais pública, e uma reunião entre família pode facilmente virar conteúdo em stories ou feeds alheios. Mas qual o problema disso? Enquanto no passado as pessoas tinham controle maior sobre o que iriam expor sobre suas próprias vidas hoje isso fica mais fluido. Além do QUE iriam expor também tinham mais controle sobre QUEM iria ter acesso à intimidade de suas casas. Óbvio que a fofoca é antiga e qualquer um poderia contar sobre algo que viu, mas com o registro em foto e vídeo isso se torna quase um documentário não autorizado, como se as imagens resumissem a verdade do que está sendo retratado, desconsiderando edições e diferentes pontos de vistas. Hoje facilmente um vídeo pode viralizar e sair do controle de quem gravou e de quem foi gravado.

Todos tendem a mostrar/postar o que acham belo/desejável. Mas pense nos diversos lugares que você já quis conhecer por ver um reel/foto e quando esteve lá se decepcionou com a realidade, sem filtros/edições, sem recortes e ângulos que escondem o que havia de pior - ou apenas comum - nesse lugar. Comprovando que mesmo imagens "documentais" podem não exprimir de fato a realidade.

Uma saída para não viver em função da aprovação de todos é filtrar quais opiniões sobre nós tem poder sobre nossas vidas. Sendo impossível ser feliz e agradar a todos, e tendo em conta que quanto menos tentarmos agradar a todos mais isolados ficaremos, é saudável:

>> Definir para nós mesmos quem estimamos para opinar sobre nossas vidas;

>> Ser capaz de racionalizar críticas (ou mesmo elogios), concordando ou discordando, independente de quem as emite.

A sociedade hoje plasmou nosso valor às nossas posses e realizações;

Se antes o que determinava como você seria tratado com "respeito" era a família que você tinha nascido (plebeu ou nobre, entre outros estratos sociais determinados pelo nascimento) hoje são suas realizações, que se traduz rapidamente em acumulação de dinheiro ou posses. O livro mostra de forma interessante como a perspectiva cristã rompeu temporariamente com isso ao contar que Jesus, sendo tão importante espiritualmente era apenas um carpinteiro e diversas passagens bíblicas frisam que o Reino dos Céus não tem correspondência direta com a vida terrena, mostrando uma promessa de status para os que não tinham de forma elevada.

Com a ascensão da burguesia ao poder entra em voga a chamada meritocracia, em que quem está em posições elevadas é, teoricamente, quem trabalhou mais por isso, em suma, quem por seus próprios méritos conquistou tal posição. Posteriormente essa ideia se desintegra, mas a ideia implícita de que alguém com sucesso financeiro necessariamente tem características pessoais desejáveis ainda persiste no subconsciente coletivo. Como o status determina o quanto de amor/respeito vamos receber, a busca por mostrar sucesso se torna mais importante do que há séculos atrás.

>> Uma saída a esse pensamento é valorizar o intangível não só em nossas vidas mas julgar menos rapidamente a vida dos outros a partir de suas posses. O autor dá o exemplo de diversos romances e tragédias que contam como um herói cai em desgraça por motivos que fogem do seu controle. Aceitar que o sucesso (sobretudo financeiro) ou o insucesso não está completamente em nossas mãos atenua nossos julgamentos.

Status é comparativo, sempre.

Nossos parâmetros do que é sucesso variam de acordo com nosso meio. Se no nosso círculo de família, amigos e colegas todos tem mais ou menos as mesmas coisas ou realizações, não existe muito espaço para comparação. Mas se alguém com um passado parecido com o nosso obtém coisas inacessíveis para nós, isso pode começar a incomodar, porque nos faz questionar porque não fomos capazes de obter o mesmo ou algo semelhante.

>> Uma boa forma de lidar com isso é colocar em perspectiva as posses e realizações humanas em face da grandeza da natureza, do universo e da vida. Comparativamente, as diferenças entre seres humanos é irrisória frente ao tamanho e idade de montanhas, florestas, etc. No fim da vida, pouco ou nada do que acumulamos ou realizamos será lembrado.

E na arquitetura, como isso se reflete?

No mundinho da arquitetura, especialmente de interiores, os maiores problemas que identifico na questão do status é a padronização do que é "coisa de rico" e do que é "coisa de pobre". Com as variações bizarras de "pobre premium". Vários perfis em mídias sociais se dedicam a caçoar publicamente de soluções que hoje estão mais acessíveis do que há alguns anos atrás. Um exemplo são os revestimentos 3D, que estavam presentes em projetos caros e hoje conseguem ser comercializados por valores mais baixos. Como garantir que sua casa não vai estar o ápice do que se considera "de rico" hoje e não ser "humilhada" publicamente pouco tempo depois, com a popularização de algum material ou solução?

Para isso é primordial definir muito bem suas referências de beleza, seus valores e ter a consciência do que é possível realizar naquele momento. Querer agradar a todos com a decoração da sua casa é o caminho mais curto para se decepcionar nessa empreitada. O que vai passar o teste do tempo é a certeza de que aquela decoração é um reflexo de como você leva a sua vida e, de forma geral, como você enxerga o mundo. Não é de hoje que a arquitetura é usada como marcador de status e dizer o contrário seria negar o óbvio. Mas dar prioridade às escolhas arquitetônicas por status pode ser um tiro pela culatra. Nem todo design/material caro é adequado à funcionalidade do seu dia a dia ou à sua realidade no momento. Não se pode esquecer que existe uma pressão na indústria em lançar novos produtos para se manterem relevantes. Você não precisa de todo lançamento de revestimento, metal ou tecnologia, antes de escolher se pergunte o benefício que aquilo vai trazer para sua vida - mesmo que estético. Em suma, a maioria de nossas decisões devem ser pautadas pela régua de nossa própria felicidade e o quanto mais nos conhecermos menos vamos ficar preocupados em riscar uma posse ou realização vinda de uma lista externa de definição de sucesso que nem é nossa.

Referência: https://www.youtube.com/watch?v=t1MqJPHxy6g&t=16s"Alain de Botton: Status Anxiety"