
O que é o atemporal na arquitetura?
Reflexão sobre como um espaço pode continuar relevante mesmo com as constantes mudanças na sociedade
FILOSOFIA
Isadora Tenório
4/15/20235 min read

Esses dias me deparei com umas fotos do meu colégio antigo, estudei lá por apenas dois anos mas foi um dos lugares que mais mudou minha perspectiva de vida. É um edifício de 1930, em estilo neocolonial, o ISERJ, localizado na Tijuca, zona Norte do Rio de Janeiro. Famoso por ter sido cenário da novela "Anos Dourados" da TV Globo em 1986 e por ter sido onde a cantora Anitta fez seu ensino médio e técnico. Aqui vou focar nos aspectos materias da construção para discutir sobre uma característica que acredito ser essencial ao se fazer arquitetura: a busca pelo atemporal. Que lições podemos tirar de edifícios que sobreviveram (e sobrevivem) às mudanças de tempo?
No caso do ISERJ, sua função sempre foi educacional. Mas o que torna esse edifício ainda tão impressionante? As salas de aula se organizam em 3 pavimentos ao redor de um grande pátio, onde no meio há um chafariz (que nas minhas lembranças como aluna estava quase sempre seco). Como transição para este pátio há um corredor amplo com grandes colunas retangulares (tecnicamente uma colunata, muito comum na arquitetura italiana). Eu estudava no térreo, de tarde, e nunca batia sol direto nas mesas, lembro de ser sempre fresco. As janelas davam para grandes árvores que sombreavam a sala do outro lado. Tinham esquadrias verdes enormes, o pé direito altíssimo e portas de madeira pesadas. Nos intervalos todos sentavam nos degraus que davam para o pátio, a sensação de sentar e encostar as costas nas colunas de pedra-sabão no fim da tarde. Ela nunca estava pelando apesar do sol e os cantos dos degraus eram todos arredondados. Isso sem falar na biblioteca, que era num edifício à parte que tinha uma claraboia em que dava pra ver os galhos das árvores caindo...E as telhas no "púlpito", onde ficavam as bandeiras, em que a parte inferior tinha desenhos de corujas, símbolo grego de sabedoria. Era um ambiente extremamente rico arquitetonicamente, apesar das dificuldades de manutenção em uma escola pública estadual (desde 1998 o ISERJ é administrado pela FAETEC, órgão do estado do Rio de Janeiro). Aqui algumas imagens para ilustrar esses espaços:
Famosos monumentos da humanidade, muito mais antigos do que minha ex escola, como o Partenon na Grécia e as Pirâmides do Egito, ainda hoje são estudados por suas proporções, modo de construção e afins. Embora o Partenon tenha sido usado para fins religiosos e as pirâmides tenham sido construídas como túmulos suntuosos, o que os une é a busca pela eternidade. No casos dos gregos, construindo um templo no topo da colina, perto dos Deuses, onde talvez as preces sejam melhor ouvidas ou no caso dos egípcios embalsamando seus mortos, criando um palácio para eles com tudo que eles possam precisar na vida póstuma e escrevendo as instruções nas paredes de como se portar diante dos deuses. As primeiras cidades, inclusive, surgiram como cemitérios (quer saber mais? leia este artigo). Antes de nos estabelecermos em aldeias permanentes, "estabelecemos" nossos entes queridos. Então a arquitetura, em sua origem, busca o eterno, o que hoje vai na contramão do modo de produção recente de obsolescência programada. Um fato curioso sobre esse tema é que na Holanda grande parte da população não é tão religiosa quanto a décadas atrás, deixando muitas igrejas "órfãs", sem fiéis. Hoje, muitas foram convertidas em escritórios, empresas, enfim, locais privados e com qualquer outra função laica. Por seu valor histórico e arquitetônico elas são preservadas - a boa arquitetura (e claro, uma boa política de patrimônio histórico) as salvou. Reformá-las também é bem mais sustentável que demoli-las, além de ser respeitoso com a paisagem urbana. Como elas ainda tem "cara" de igreja as empresas colocam cartazes tipo "Posso parecer uma igreja mas sou um escritório" para os desavisados. Incrível né? Agora saindo desta viagem filosófica, aqui vão alguns insights dessa breve reflexão sobre a minha ex-escola:




Fig 1: O famoso pátio com o chafariz e "púlpito"
Fig. 2: As corujas pintadas embaixo das telhas do "púlpito"
Fig 3: A biblioteca com sua claraboia fantástica




Fig 4: Corredor do último andar
Fig 5: Vista do corredor do térreo
Tem bons espaços de circulação- que se tornam espaços de apreciação do entorno;
Possui uma escolha inteligente de materiais - pensando na durabilidade, estética e propriedade térmica;
Bem executada nos detalhes técnicos - por menor que seja (telhado a encontro de degraus);
Harmonia entre o construído e o espaço livre (jardins, bosques, céu);
Tem coerência na hierarquia visual, isto é, a parte mais importante fica clara e as escolhas (decorativas, de composição ou de material) seguem esta hierarquia.
Essas são as características-chave de uma arquitetura atemporal. Mesmo que as tecnologias, gostos e funções mudem, nada as substituem. Em geral conseguem segurar mais tempo sem manutenção por causa dos itens 2 e 3 - bons materiais e boa execução são a base para uma vida arquitetônica longa. Diferente do Partenon e das Pirâmides, que só podemos visitar, a arquitetura cotidiana é a que mais necessita ter essas características. São nossas escolas, universidades, locais de trabalho e casas que realmente nos abrigam e nos confortam quando nos sentimos perdidos. É lá que criamos boas lembranças fazendo coisas simples, como sentar num degrau confortável ou nos distrairmos na biblioteca com o barulho de um galho que caiu na claraboia. Se você acha isso importante acompanhe os posts por aqui! ;)
Fonte das imagens:
